sábado, 28 de dezembro de 2013

Inclusão : ampla, geral e irrestrita: Engaiolados

Inclusão : ampla, geral e irrestrita: Engaiolados

Excelente artigo de Fábio Adiron, comentando a derrota da inclusão frente aos segregacionistas na votação do PNE:

Engaiolados

Eles poderiam estar aí agora trabalhando a seu lado no escritório, na fábrica, no campo.


Poderiam estar à sua frente para atender na loja em que você entrou para comprar o seu presente de Natal.


Poderiam estar sentados a seu lado num banco escolar de primeiro, segundo, terceiro ou infinito graus.


Eles poderiam estar na mesma balada que você ou seus filhos vão. Ouvindo a mesma música, bebendo o mesmo energético.


Eles poderiam nadar na mesma piscina, frequentar as mesmas quadras, passear nos mesmos parques.


Eles poderiam ter amigos, namoradas, namorados, cônjuges e, por que não, até amantes.


Eles poderiam estar entre pessoas brancas, negras, amarelas. Gordas, magras, altas, baixas. Loiras, morenas, ruivas, de cabelo liso ou muito encaracolado.


Eles poderiam tudo que todos podem.


Mas ainda não podem...


Pois alguns muitos se beneficiam deles estarem confinados em gaiolas reais ou virtuais.


Pois não poucos acreditam que eles só podem fingir de viver entre iguais, não estudar entre iguais, não trabalhar entre iguais.


Pois tantos crêem que a superproteção é uma forma de amor, quando não passa de uma forma de destruir vidas.


E vão continuar engaiolados enquanto os donos das gaiolas receberem dinheiro para mantê-los nelas.


Enquanto os especialistas sustentarem o mito da incompetência dos generalistas.


Enquanto os generalistas não acreditarem na sua capacidade de lidar com a diversidade.


Enquanto a população achar mais barato uma doação caridosa que uma aceitação incondicional.


Enquanto os pais acreditarem mais na mídia do que nos seus filhos.


"Mas o que eles não sabem


Não sabem ainda não


É que na minha terra


Um palmo acima do chão

Sopra uma brisa ligeira

Que vai virar viração

Ah mas eles não sabem

Que vai virar viração"*
*parte da letra de Viração de Kleiton e Kledir Ramil

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Na questão problemática sobre a meta 4 do PNE a visão cristalina de Gil Pena

Excelente artigo de Gil Pena, coloca as coisas nos seus lugares:

Preferivelmente, em lugar do preferencialmente, colocar preferentemente

Preferivelmente, omite-se o preferencialmente. Preferentemente, antes, não
se desenharia um retrato tão ruim da educação do Brasil, como o que se
define pelo PNE, que se discute no Senado atualmente. É na Meta 4, onde
firmamos o nosso protesto, pela exclusão do preferencialmente, garantindo –
como meta – a universalização "para a população de 4 a 17 anos com
deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou
superdotação, o acesso à educação básica e ao atendimento educacional
especializado, (-p-r-e-f-e-r-e-n-c-i-a-l-m-e-n-t-e-) na rede regular de
ensino, com a garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de
recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados,
públicos ou comunitários, nas formas complementar e suplementar, e de
escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados".

É um jogo de palavras. A meta comporta a garantia de escolas ou serviços
especializados, de forma complementar e suplementar. Complementar, significa
inteirar o que falta, tornar completo: então a educação oferecida para essa
população é incompleta, a própria educação deficiente? Então, que se corte o
preferencialmente, preferivelmente se for junto o complementar.

Podemos passar horas, dias, semanas, lutando contra a redação do Plano e de
suas metas. Não sei o que muda se mudar a redação, se nem mesmo a lei, entre
nós, tem força de lei: a de transformar uma realidade, por sua natureza
impositiva sobre a vontade individual das pessoas. Então, o
"preferencialmente", não cabe na lei, pois a meta 4 torna-se uma decisão do
preferente, não lhe impõe nada, mero jogo de palavras, ficarem os senhores
congressistas discutindo um plano que abre o caminho da preferência
individual é discutir plano nenhum. 

Mais do que com a meta 4, eu fico realmente incomodado é com as outras
metas. São um retrato do atraso da educação no Brasil. Como exemplo, a meta
1 pretende a universalização do atendimento a educação infantil até 2016
(seria daqui a três anos). Para educação infantil em creches, a expectativa
é atender o "universo" de 50%, até o fim da vigência do PNE. É a meta da
exclusão: um entra, um fica de fora. O mesmo, poderíamos dizer das outras
metas. (o PNE era para ser para o decênio 2011-2020, mas já vamos entrar em
2014…).

Não parece incomodar ninguém que podemos ficar discutindo o PNE por mais
alguns anos. O projeto está em discussão no Congresso há três anos. As metas
e estratégias, estabelecidas no anexo, parecem poder ficar aguardando a
discussão dessas pequenas nuances da redação. Talvez se aprove lá para 2017,
então a meta para 2016 já nasce e caduca, e talvez seja por isso que ainda
discutimos metas que me parecem um pouco tímidas e que, analisadas a frio,
denotam o desprezo que se tem pela educação no país, desprezo que
possibilita que algumas gerações fiquem sem acesso ao ensino, permitindo-se
baixos índices de qualidade. Podemos, preferivelmente ou não, ficar
discutindo estas coisas mais alguns anos, enquanto mais uma legião de
pessoas, nascidas no ínterim da discussão, cresce fora da escola ou
frequenta escolas com baixos índices de qualidade.

Não parece incomodar ninguém que a discussão do PNE é agora uma disputa
entre governo e oposição, não um problema da nação, do povo brasileiro. O
governo entendeu como derrota a aprovação do plano, na comissão de educação
do senado. O trâmite da matéria, sua aprovação parece ter envolvido alguma
manobra, uma votação relâmpago, e onde 23 parlamentares registraram
presença, só cinco estavam presentes, e aprovaram a matéria. A comissão
deveria reunir-se às 14h30min e às 14h32min está tudo votado e encerrado.

É um jogo de poder, de interesses, jogo de palavras. A educação de um povo,
uma nação, tratada com tanto desprezo. Devia, preferencialmente, ser tratada
como coisa séria.

Não é pela meta 4. A luta deveria ser pelo plano. Pela educação. Pela
Educação. Preferentemente, não quero discutir o preferencialmente.
Preferivelmente, era para entendermos que alguma ação tinha de ser colocada
em prática já. Isso tinha que ser tratado com a seriedade e a urgência
necessárias para uma questão dessa gravidade e relevância.