quarta-feira, 20 de maio de 2015

IDEOLOGIA, DIVERSIDADE E CULTURA: UM COMPROMISSO COM MINHA PRÓPRIA VIDA - MIGUEL MELERO

Artigo escrito por Miguel Melero, um dos faróis sinalizadores do moderno processo de inclusão. 


IDEOLOGIA, DIVERSIDADE E CULTURA: UM COMPROMISSO COM MINHA PRÓPRIA VIDA

Miguel López Melero – Universidade de Málaga – Espanha


“ o custo do desenvolvimento de um míssil balístico  transcontinental pode alimentar a 50 milhões de crianças, construir 160.000 escolas e abrir 340.000 centros de saúde. O custo de um submarino nuclear é igual ao pressuposto anual de educação de 23 países  em desenvolvimento, num mundo onde 120 milhões de crianças carecem de escolaridade e 11 milhões morrem antes de completar um ano...” (Ruth SIVARD. Gastos Militares e Sociais no Mundo)

E dizem que “todos os seres humanos pertencem à mesma espécie e têm a mesma origem. Nascem iguais em dignidade e em direito e todos formam parte integrante da Humanidade.” Todos os indivíduos e grupos têm o direito de ser diferentes, a considerar-se e a ser considerados como tal...(Declaração da UNESCO)

O professor Maturana nos lembra que “... do ponto de vista biológico não há erros, não há disfunções, não há menos-valia... em Biologia, não existe menos-valia. É no espaço das relações humanas onde a pessoa definida passa a ser limitada.” (H. MATURANA. O Sentido do Humano)

No entanto, continua sendo certo isso de que “... o essencial é invisível aos olhos; só se vê bem com o coração” (Antoine de Saint-Exupéry. O Pequeno Príncipe)


1. Minhas idéias

Ao  aceitar o convite  para participar deste Encontro de Educadores, promovido pela Revista Kikiriki, comprometo-me a explicar meus sentimentos nesta primeira parte, que denomino de “minhas idéias”. Pretendo explicitar minhas preocupações intelectuais, minhas reflexões sobre o sentido do humano,  meus sentimentos, meus conflitos emocionais, pessoais e sociais, minhas dúvidas e convicções... e as minhas crenças sobre a necessidade de construção de uma nova cultura que aceita, conheça,  compreenda e respeite cada ser humano como ele é  e não como gostaríamos que ele fosse. Como dizem Berger e Luckman (1967): “os modos de chegar a ser humano, e sê-lo de fato, são tão numerosos como as culturas do homem.”

Há que compreender-se que o discurso da diversidade é o discurso da legitimidade da outra e do outro. Até que isso não seja compreendido, as pessoas não se comprometem com esse discurso. Por isso a minha vida é um compromisso com a ação. Tudo o que dá sentido à minha vida, como uma idéia coerente comigo mesmo, é uma tentativa de tornar realidade o meu pensamento ideológico (mundo das idéias), epistemológico, e metodológico do que eu entendo por realidade, por ciência, por cultura, por ideologia e por diversidade. Mais precisamente, é tornar conscientes homens e mulheres de que há uma classe social que opera de maneira dominante (desumanizando) sobre outra. Mas o discurso é sempre o mesmo de dominadores e dominados, como Freire nos recorda muito bem: “A verdade é que os dominados são seres humanos a quem se proibiu de ser o que são. Têm sido explorados, violados, e se lhes nega violentamente o direito de existir e de expressar-se”. (1990, p-188)

Estou expressando, queridos colegas, minha ideologia, ou seja, essa atitude que tenho diante da vida de acreditar no que faço como algo que vale a pena. É simplesmente crer no ser humano como ser humano... Somente se age quando se compreende isso, por que a ideologia “se configura como um sistema de crenças e valores que proporcionam o caminho para a ação e para o comportamento” (Apple, 1986, p-34). A minha ideologia, como produto do meu pensamento, me inunda inteiro; não é algo separado e independente do resto da minha vida me seu aspecto político, social ou emocional. Todas essas são as coisas que dão sentido ao que eu faço. Ideologia e diversidade são a minha própria vida.

Apenas se conhece tudo isso é que será possível compreender – não peço que se compartilhe – o por quê de eu selecionar umas teorias e não outras, por que me inclino mais a um enfoque metodológico do que a outro e por quê concebo a ciência como uma forma de pensamento e de ação compartilhada e genuinamente humana, comprometendo-me com os valores que guiam qualquer atividade da minha vida para o encontro do ser humano consigo mesmo.

Por isso tudo, minha gratidão aos organizadores por me oferecerem esta nova oportunidade de compartilhar com todos vocês essas reflexões, com a firme convicção de que isso vai nos unir em um compromisso permanente para buscar a verdade, a beleza e a bondade da vida. Talvez consista nisso o sentido da nossa própria existência.

Minhas palavras são, portanto, um convite ao diálogo como única via para a construção de um discurso compartilhado entre vocês e eu, para que nos unamos em um sentimento comum que propicie uma mudança profunda em nosso pensamento e em nossa ação como educadores comprometidos (pensamento e ação compartilhada = ciência), e nos emocione na construção da cultura da diversidade com um pensamento claro do que entendemos por “cultura da diversidade”. Provavelmente aqui, no conceitual, resida uma das grandes dificuldades para entender que a cultura da diversidade é um discurso eminentemente ideológico, e seja entendido mais como um slogan de moda da inovação educativa do que como uma verdadeira transformação no pensamento e na prática pedagógica, que exige outro modo de educação considerando a diferença como valor no ser humano.

Ao estabelecer a emoção como base do conhecimento para a construção desta nova cultura, o faço convencido de que a compreensão do que significa ideologicamente a cultura da diversidade nos permitirá compreender as duas grandes crises  em que se encontra a humanidade neste final de século para que, a partir dessa conscientização crítica, iniciemos projetos de mudanças para a reconstrução da crise da civilização e da crise ecológica. Nos vemos envoltos nessas crises por um lado pelo desenvolvimento desenfreado das ciências físicas e naturais dos séculos XIX e XX e, por outro, pelos interesses técnico-científicos e econômicos do final do século XX. Somente a partir dessa definição se compreenderá que a cultura da diversidade é, principalmente, um discurso ideológico.

A verdade é que, historicamente, todos os esforços para levar a cabo transformações e mudanças sociais e culturais vieram precedidos por visões gerais sobre a natureza da humanidade e da sociedade – ou seja, por uma concepção da sociedade  e da mulher (do homem), e por uma concepção da mudança social e educativa. É essa também a nossa proposta na hora de abordar o discurso da cultura da diversidade frente ao discurso da cultura da deficiência na escola pública. Quer dizer , como conduzir as mudanças e as transformações que a cultura da diversidade requer em um sistema educativo que, por definição e por lei deve se desenvolver assim (LOGSE) e, no entanto, neste momento está condicionado por um governo conservador? O sistema político, econômico social e educativo do governo espanhol é conservador,  e o subsistema que abrange a cultura da diversidade é eminentemente progressista e transformador.  Como desenvolver a cultura da diversidade, que é a cultura da cooperação, do respeito, da solidariedade, da justiça, da ética, da democracia... e do amor, a partir de um sistema neoliberal que é competitivo, não-solidário, discriminador, sectário, machista, consumista, oportunista, narcisista...?

Minha hipótese, neste âmbito concreto, partindo do ponto de vista da ciência e da tecnologia, é que se está criando uma relação biunívoca e muito perigosa. Uma ideologia da ciência neoliberal (cientificismo) à qual se outorga o papel de propor objetivos para a aplicação do seu produto, cabendo à tecnologia o papel de aplicar os princípios da ciência. E, nesta dependência mútua, exercem o seu poder para produzir formas de conhecimento, relações sociais e outras formas culturais que vão operar de um modo muito sutil para silenciar ativamente as pessoas. Essa forma de entender a ciência, ou o cientificismo, é, a meu ver, a ideologia mais perigosa e mais poderosa da sociedade neoliberal e pós-moderna – mesmo que geralmente são seja reconhecida como uma ideologia perigosa em si mesma – por que não se cria nada de novo nem se produze um desenvolvimento da imaginação do ser humano. Ela apenas nos mantém no “limbo” científico permanente. Nós já sabemos que esse estado límbico é o mais próximo do conservadorismo, que nos quer fazer esquecer que debaixo dessa sociedade liberal e pós-modernista há uma dominação da classe poderosa e hegemônica. Alguns companheiros e algumas companheiras caem nesse êxtase deslumbrante, quase messiânico, do limbo, e se vêem completamente presos nessa teia neoliberal. Esse cientificismo é a nova religião intelectual para que permaneçamos dentro desse estado límbico, sem reflexão nem compromisso, sendo meros instrumentos industrializados da cultura hegemônica.

A ciência da ideologia ou a ciência da ideologia? A ideologia reinante na sociedade pós-moderna (neoliberal) só poderá desaparecer se o cientista  sabe superar essa relação de dependência entre a ciência e a tecnologia, evitando, com esse comportamento, ser um escravo do poder. Temos o exemplo mais claro desse cientista na universidade (exemplo por excelência da comunidade científica), onde o conhecimento intelectual adquire o status de virtude -  objetivo, independente, desinteressado, apolítico... -, e o professorado, docente e investigador, são homens e mulheres da ciência – assexuados,  dóceis, obedientes, sem manchas – exemplos “in vitro” da ciência pós-moderna.

Temos que estar muito alertas para não cair nesse novo poder da ciência a serviço do neoliberalismo, que converte o fazer científico em mera mercadoria. Temos que evitar que a ciência seja a serva do poder (conhecimento capitalizado = fetichismo) e, portanto, a alienação do pensamento humano. A ciência do neoliberalismo é a pseudograndeza   dos medíocres.

Meu pensamento é que a ciência é incapaz de proporcionar respostas duradouras e imperecíveis. Não existe uma unidade dos conhecimentos com caráter absoluto e anti-histórico, nem objetividade isenta de erro. O mais importante é que o ser humano não veja castrado o seu sentimento de mudança e de transformação. Aprendemos a ser cientistas e a fazer ciência do mesmo modo que aprendemos a ser pessoas: humanizando-nos. E isso se consegue através da convivência e do amor. O amor, e não o fogo, é o grande descobrimento da humanidade.

Concebo a ciência como uma atividade eminentemente humana (pensamento e ação cheios de emoção e compartilhados). Ou seja, uma atividade social e humana que se insere na própria vida   e, por isso, a ciência não escapa à sua própria dialética. A ciência é um poderoso fator para colocar a si mesma ou às premissas nas quais se sustenta nas entrelinhas, e não se desenvolve à margem do ser humano. Ela deve ser entendida como algo por fazer e não como algo acabado, e o cientista deve ser entendido como pessoa, como sujeito ativo do seu próprio pensamento e da sua própria ação e, carregado de emoção (o pensamento em ação), evitará de ser preso na armadilha, como um ser paciente neste mundo coisificado (determinismo) , e deve elevar-se como ser pensante  e não como mero administrador.

Penso que devemos assumir o componente ideológico e social que condiciona o nosso trabalho científico. O cientista, como qualquer um de nós, não pode libertar-se do seu próprio contexto cultural, que condiciona a sua metodologia e os seus resultados. O percebido e o perceptor estão dentro da própria percepção. Há que ver-se o mundo como ele é e não como gostaríamos que ele fosse. Nesse conhecimento mora a dignidade humana.

Como se pode reconciliar a humanidade para superar a crise dupla da ecologia e da civilização? Minha resposta é muito simples e, devido a essa simplicidade, pode-se pensar que é ingênua ou pouco relevante. Porém, a meu ver, somente se alcançará essa reconciliação caso se esqueça o poder da ciência física, se reconduza os papéis da economia, da tecnologia e da robótica que o sistema neoliberal desenvolveu. Deve-se ver como ciência do futuro a Biologia (para superar a crise da civilização) e a Pedagogia (para superar a crise da natureza) E, nessa superação, encontraremos o sentido do humano. É simples: o sentido do humano não está no desenvolvimento desenfreado  das ciências da natureza e  de seus produtos, mas nas ciências sociais e na sua cultura.

Quando afirmo que o sentido do humano reside nessa superação  dos interesses técnico-científicos e econômicos, estou me referindo também a que devemos voltar o olhar para nós mesmos, já que, como pessoas, dispomos de um maravilhoso e excepcional instrumento – a mente humana – e, portanto, se soubermos entrar em nosso próprio pensamento, é certo que encontraremos os meios necessários para imaginar e criar um mundo melhor. É tão difícil imaginarmos  um mundo melhor onde impere o amor entre os seres humanos, e não o ódio? 


Certamente que  a passagem  a esse mundo novo necessita de mudanças psicológicas e sociais ainda muito difíceis de predizer ou de imaginar. Sabemos que, na atualidade, as mudanças na biologia do ser humano (fecundação in vitro, clonagem, a escolha de um filho ou filha sem o reconhecimento do pai ou da mãe, a microbiologia...), os movimentos homossexuais, os novos papéis e responsabilidades da mulher no mundo econômico e social, os movimentos migratórios, a mestiçagem, são manifestações valiosas (valores) da atual socialização que nossos filhos e filhas  estão vivendo como um novo modelo cultural das gerações mais jovens, não assumido por grande parte das gerações mais velhas. Um novo mundo com  um novo modelo cultural que vai lhes permitir outra dimensão na liberdade sexual e afetiva, outro modo de relacionar-se entre as diferentes etnias e uma nova reconceitualização da família e da sociedade em geral.

Uma sociedade competitiva a não-solidária, dominada até agora pelo masculino,  há de dar lugar a uma sociedade mais solidária e respeitosa com as diferenças, onde homens e mulheres descubram juntos em que consiste o ser humano. Não se trata de mudar de uma sociedade dominada pelo homem a outra dominada pela mulher, mas sim do descobrimento do homem e da mulher no viver cotidiano. Como nos diz Maturana: “Na convivência da biologia do amor e no conviver centrado na dignidade e o respeito pelo outro e por si mesmo, na colaboração, na harmonização estética com o mundo natural ao qual se respeita e não se explora, na valorização da sexualidade e do intelecto” (Maturana, 1994, p.68)

Eisler (1996) nos diz que tudo isso será alcançado “através da cultura da solidariedade, sendo que esta é o fundamento de uma cultura não alienada (...) em um mundo onde seja mais importante a qualidade do que a quantidade de vida.”

Se soubermos incorporar estas novas formas de pensar e de atuar, de sentir e de conviver, e abrimos nosso pensamento para esse futuro imediato, incorporando  novos valores, mudaremos não somente a sociedade –e, conseqüentemente, a escola. Nós mudaremos a nós mesmos.

É verdade que se está anunciando a morte ou o final do mundo. Um mundo que foi construído sobre uma educação competitiva e não solidária, que prioriza conhecimentos ao invés de valores. Este mundo está morto. É necessário  um outro mundo onde se reconheça  que a diferença entre as pessoas é um valor e não um defeito. Não existem duas papoulas iguais.

Neste discurso, merece uma reflexão sobre o que eu entendo ser essa sociedade claramente hegemônica e dominante. Mas tenho que fazê-lo de maneira bastante breve, sem esquecer dos aspectos fundamentais.

Dizer que, desde os anos 70, a ideologia neoliberal está cada vez mais hegemônica, não apenas nos países desenvolvidos, mas em todo o planeta, como uma nova religião que invade tudo: o político, o econômico, o social... Não é fácil definir o que é neoliberalismo, tanto pelos campos aos quais ele se estende quanto pelo  número de sinônimos que ele pode representar. Mas não nos esqueçamos de que todos esses sinônimos são manifestações do pensamento conservador. No entanto, permitam-me apenas umas poucas palavras a respeito do que eu entendo por neoliberalismo, para compreendermos a encruzilhada educativa em que nos encontramos. São apenas umas pinceladas para uma melhor compreensão da cultura da diversidade.

a)     No plano econômico: o livre mercado. O mundo é um mercado. Tudo pode ser comprado ou vendido se o mandam os poderosos. Inclusive, se compra e se vende o conhecimento. E a nós, europeus, como nos defende o Parlamento Europeu? O Parlamento Europeu não apita nada, é um servidor dos poderosos, e Maastrich é a norma imposta pelo sistema econômico (fundamentalismo econômico neoliberal).

É necessário um esforço para melhorar as condições  de qualidade de vida de todos os seres humanos. Como é possível, se todos nascemos iguais em dignidade e direitos, que se produza esse desequilíbrio onde 80% da riqueza do mundo está nas mãos de 20%?

b)    O Estado à venda:  o papel que o Estado desempenha é mínimo  - ele depende dos poderosos e esses só têm uma axiologia: a economia. As privatizações das empresas rentáveis é o objetivo dos governos conservadores. O objetivo as empresas é sempre o de ganhar dinheiro, não o de prestar serviços à comunidade. Os cidadãos deixaram de ser cidadãos para transformar-se em consumidores.

c)     No âmbito social: criam-se três classes sociais: a classe privilegiada, cada vez mais minoritária, que controla e regula o resto da sociedade;  a classe média, que é a encarregada pela classe dominante de fazer as mudanças que ela dirige e que sofre os ajustes e reajustes, e uma terceira,  que emerge e que cada vez  é mais majoritária, que á a dos desempregados e dos marginalizados (a sociedade inviável). Na atualidade, uns 200 milhões de pessoas estão  mal nutridas, outros 100 milhões são analfabetos, 1,3 bilhões encontram-se em estado de pobreza absoluta... Na União Européia, há 48 milhões de pobres e na Espanha há 9 milhões de pessoas que se encontram abaixo do limite de pobreza.

E quem vai se encarregar de proclamar essa nova ortodoxia neoliberal? O neoliberalismo tem isso claro. Como tudo se compra e tudo se vende, serão os meios de comunicação que se ponham a seu serviço e a nova revolução técnico-científica. Sob o amparo de uma falsa imagem e da  interpretação de uma pseudoliberdade, nos vendem o conceito de liberdade como consumismo, e nos vemos envolvidos por esta sociedade consumista, criando para nós mesmos novas necessidades – como se realmente fossem necessidades – e  entramos no jogo do mais feroz consumismo.

A conseqüência desse pensamento neoliberal é a castração mental no plano ideológico e a hegemonia do econômico frente ao social e ao cultural... Se cria no cidadão a necessidade do consumismo e de novas necessidades (o êxito está nos negócios e a economia é a nova axiologia. Vale-se pelo quanto se produz e não pelo quanto se põe ao serviço do outro, do menos favorecido), propiciando um mundo de competitividade, priorizando as empresas pessoais e privadas em lugar das cooperativas e solidárias. Quando se vive para si mesmo sem levar o outro em conta, se vive em um vácuo de felicidade.

Tudo isso está entrando perigosamente no pensamento do professorado, dos pais e dos alunos (de modo especial, no pensamento da juventude), criando-se uma atitude imobilizante e conformista que é, a meu ver, a pior de todas as drogas, a que vai destroçar o núcleo do ser humano: a legitimidade no conviver com o outro.

No sentido gramsciano do termo, nos encontramos em um momento de crise, por que os velhos parâmetros estão agonizando e os novos ainda não acabaram de emergir. Penso que a cultura da diversidade está colocando em cheque o fim de uma época educativa (uma nova escola para uma nova civilização). Esse clima cultura de pós-modernidade reúne uma série de características que vou sintetizar:

-       Ceticismo: precisamente por descrédito à razão e por tudo aquilo que esse descrédito pode proporcionar, enquanto surge uma grande valorização das sensações e intuições;
-       Neofilismo: um amor desmesurado pelo novo, pelo simples fato de ser novo;
-       Consumismo: como uma nova liberdade de fazer-se de tudo contra a idéia da poupança;
-       Esteticismo: uma supervalorização da imagem frente à ética;
-       Oportunismo ou ocasionalismo: o viver aqui e agora. Não há perspectiva de futuro, tudo é presente. E esse presente é construído reciclando-se (a era do plástico) o passado;
-       Ahistoricismo e fim da história para compreender o mundo  e, através dela, projetar o futuro;
-       Individualismo exacerbado, ou seja, viver para si mesmo, superficializando os vínculos e os sentimentos.

Esse pensamento neoliberal e pós-moderno que estou descrevendo resumidamente originou a cultura da falta de solidariedade e da intolerância ou, como define Lasch, “a cultura do narcisismo”, precisamente por que esta era pós-moderna anulou a solidariedade, matou a política e criou um mundo onde cada um vive para si, dono de um grande vazio e supostamente feliz.

Nesse contesto de mercantilização do saber que eu venho descrevendo e expressando as minhas idéias, desejo ressaltar o sentido que dou à modernidade, como uma tomada de consciência com uma época que tinha como idéia central de si mesma o sentimento de mudança permanente e o compromisso diário, mesmo que considerado “antigo e clássico”. Me oponho a que a dialética do espírito, a que emancipação da pessoa através da razão e da reflexão se transformem na pragmática da cultura do consumismo. Eu quisera ser utópico ou mesmo pragmatópico no sentido de que é aqui, e nestes momentos difíceis, onde está o lugar onde  homens e mulheres  encontraremos o sentido do humano. Não podemos dar por perdida a mensagem do projeto de transformação e de mudança permanente  que o sentido habermaniano de modernidade trazia em si. “A modernidade é um projeto inacabado” (Habermas, 1994).

A escola pública, como produto da modernidade, foi pensada como lugar onde se deviam desenvolver valores e conhecimentos de verdade e justiça, de liberdade e respeito, de tolerância e de  solidariedade, de beleza e de bondade. Porém esses valores foram desvirtuados por causa do descrédito na razão, e a escola encontra-se frente à necessidade de enfrentar o pragmatismo da eficácia “enlatada” dos conhecimentos sem reflexão alguma, quer nos sejam apresentados em “caixas vermelhas” ou em “caixas verdes”.

Vivemos hoje um tempo de reformas do “armário curricular” – caixas vermelhas ou caixas verdes, ou seja, o armário Nacional ou Autonômico. No entanto, se fazemos uma leitura das suas fundamentações científicas, logo nos daremos conta  de que nos novos modelos “instrutivos”, a cultura da diversidade não entrou. É à escola que se deve exigir um compromisso para elaborar e difundir conhecimentos articulados e corretos sobre as diferentes culturas, aos invés de um compromisso para realizar programações e intervenções didáticas individualizadas, como se costuma anunciar-se por lei quando se fala do quarto nível de concretização. Tampouco não nos esqueçamos de que este modo de interpretar a cultura da diversidade, “estacionando” as pessoas com deficiência em lugares individualizados e isolados de instrução, também está carregado de um tipo de ideologia, mesmo que se afirme que não tem ideologia nenhuma. O ensino está carregado de intencionalidade.

Se não se analisa esse fantasma , essa coreografia, com muito cuidado, nos veremos envolvidos no falso discurso e na entrada em cena de uma cultura neoliberal e monocultural que não respeita o direito de ser diferente.

A Europa de 2000 está se desenhando sob a tutela de duas grandes ameaças que, a meu ver,  são uma só: a filosofia neoliberal e a filosofia da cultura única. E, sobre a base de um  axioma hipócrita de reconstrução européia se funde a idéia neoliberalista, apoiada em uma idéia econômica que consagra a naturalidade das desigualdades e sobre uma idéia cultural que dá mais a quem tem mais.

Segundo a OMS, existe no mundo meio bilhão de pessoas com deficiência, dos quais 80% vivem em países em desenvolvimento. Quer dizer, uma pessoa em cada dez sofre algum tipo de dificuldade física, mental ou sensorial, comprometendo, indiretamente, ao menos uma quarta parte da população mundial. Nos países da Comunidade Européia, os cidadãos com deficiência superam os trinta milhões. Na Espanha, representam de 10 a 12% da população e, desses, dois ou três milhões não são autônomos.

O propósito fundamental dos movimentos educativos críticos – e a cultura da diversidade  o é – é o de desenvolver teorias e práticas de progressistas que contribuam para a emancipação  pessoal e social. Essa complexa tarefa  requer a cooperação de todas aquelas pessoas que não se sentem identificadas com o tipo de sociedade e de educação em que nos encontramos imersos. O caminho se faz ao andar, já nos dizia o nosso bom Antonio Machado, mas ele está cheio de incertezas e de dificuldades. Mas nós,  os profissionais comprometidos, não podemos renunciar ao nosso compromisso de mudança e de transformação profundos. E isso exige um trabalho cooperativo entre todos. A cultura da diversidade é a cultura da cooperação.

O que eu tento dizer é que neste projeto de sociedade e homem diferentes para o século XXI, o professorado, como profissionais do ensino, e outros, como responsáveis políticos, temos que ir construindo a escola do século XXI (o que significa dizer “a sociedade do século XXI). Uma escola que ensine a pensar e a descobrir a cultura (as culturas). Uma escola que faça mulheres e homens pensantes e sensíveis à diversidade e não meros administradores. Uma escola que faça homens e mulheres democratas e livres, vivendo e transformando a democracia  em liberdade.

Provavelmente haja várias maneiras de tomar o pulso de uma sociedade, mas uma delas, a partir de um ponto de vista cultural, vem determinado pela maturidade ética dessa sociedade exemplificada  - o lugar que ocupam as minorias na vida social. Essa maneira de tomar o pulso da sociedade partindo de um ponto de vista cultural vem determinado pelo nível ético da escola, focalizado nas condições de saúde, educação,  meios e recursos e indicadores de qualidade de ensino – que são os indicadores da qualidade de vida.

Este encontro entre os profissionais do ensino é uma oportunidade para expressar os meus pensamentos sobre o papel da escola  no final do século como agente de transformação social. Considero que um dos desafios mais importantes que o professorado vê  diante de si  é o de saber atender adequadamente às necessidades  das crianças que chegam à escola.

Eu aceito, plena e conscientemente, a responsabilidade que abrange a ação pedagógica, e exerço a minha profissão com prazer. O trabalho não me é um sacrifício, ao contrário, desfruto da profissão, afrontando as dimensões social e política que são parte dela em minha atividade docente e investigadora com todos os seus riscos e suas conseqüências. Fiz da minha profissão uma opção política e educativa – que não é outra coisa a não ser uma opção de vida.

O que significa  para mim opção política? Opção política é tomar uma posição  frente à realidade social, é não permanecer indiferente  ante o atropelamento da justiça, ante o desprezo da liberdade, ante a violação dos direitos humanos, ante a exploração dos trabalhadores e das trabalhadoras, ante a falta de respeito à mulher, ante a intolerância política, religiosa ou ética. Enfim, é tomar partido da justiça, da liberdade, da democracia, da ética, do bem comum. É uma opção política e é fazer política. Opção política e educativa é lutar pela cultura da diversidade frente à cultura da deficiência, e esta é a minha ideologia e a minha vida.


2. Meus argumentos

Por tudo o que já foi dito até aqui, gostaria, a partir deste momento, de deixar claros alguns princípios que justificam o meu pensamento no tocante ao discurso da cultura da diversidade frente ao discurso  da deficiência como um compromisso pessoal. Refiro-me concretamente ao seguinte:

a)     a que sejam o respeito, a tolerância e a liberdade de pensamento os princípios que nos permitam construir a cultura da diversidade frente à cultura da deficiência. Me explico: penso que há de ser a racionalidade quem torne mais razoável a própria razão quando falemos da cultura da diversidade – simplesmente  por que não se entende bem o que significa e o que exige essa nova cultura. Quando falamos de racionalidade, nos referimos a ter um “pensamento claro” que melhore a nossa compreensão da cultura da diversidade. Eu chamaria de “racionalidade” a que, se nesta sala se argumenta sobre como se mudará a escola e a sociedade, imediatamente nasça em todos nós o compromisso de mudar as nossas atitudes e a nossa prática educativa e social. Estamos no caminho de projetar outro modo de ser pessoa.
b)    quando falo de diversidade, não me refiro às pessoas socialmente reconhecidas como deficientes. O faço partindo de um pensamento amplo que inclui o gênero, a enfermidade, a deficiência, a raça..., ou seja, os coletivos e as culturas minoritários que, durante tanto tempo, tiveram que suportar (e ainda suportam) os critérios das culturas majoritárias. Não podemos  nos esquecer que o conhecimento, a informação e a tomada de decisões nos vêm impostos pela classe dominante – e é por isso que temos que montar novas estratégias para safar-nos das perigosas e tentadoras redes neoliberais.
c)     neste sentido, desejo esclarecer o que entendo por diversidade, o que entendo por diferença e o que entendo por desigualdade. A diversidade faz referência à identificação da pessoa, por que cada um é como é, e não como gostaríamos que fosse  (identidade). Esse reconhecimento é precisamente o que configura a dignidade humana. A diferença é a valoração (portanto, algo subjetivo) da diversidade, e é exatamente essa  valoração que abriga várias manifestações, sejam de rejeição (antipatia, xenofobia, racismo, intolerância...) ou de reconhecimento (simpatia, xenofilia, tolerância...). É a consideração da diversidade como valor.

Estabelecidos os princípios que me levaram a participar deste evento e esclarecidos alguns conceitos relacionados à cultura da diversidade, a questão será não apenas saber descrever, analisar e valorar a sociedade consumista, competitiva e não solidária em que vivemos nestes dias. A questão será como chegar a esta outra sociedade cooperativa e solidária depois de tudo o que  temos vivido desde as primeiras civilizações conhecidas.

Certamente há que reconhecer que é difícil pensar ou imaginar um mundo diferente, mas não nos resta outra opção. A evolução humana se encontra em uma encruzilhada. A tarefa fundamental dos pensadores e cientistas não é somente de descrever e de alertar sobre os males que nos cercam, mas sim de comprometer-se em buscar modelos educativos que permitam,  a partir da mesma escola como agente de transformação social, um outro modo de organização da sociedade para o século XXI e o desenvolvimento das nossas diferenças como seres humanos, sem produzir desigualdades. Refiro-me simplesmente à necessidade de construção de uma nova escola (de uma nova educação) para uma nova civilização.

Eu falo por mim, que sou pedagogo e não médico. Que sou educador, não  psicólogo. E, por isso, vou falar de educação e não de terapia, por que, depois de tudo, como dizia Kant, cada pessoa chegará a ser pessoa pela sua educação. Ou, como nos diz Maturana, cada homem se diferencia singularmente de outro homem não por razões biológicas, mas sim por que há diferentes crenças, comportamentos e pontos de vista distintos. O respeito à diferença implica o reconhecimento de ser diferente, e a tolerância é o valor essencial de que a cultura da diversidade necessita.

Esta nova escola que anunciamos somente se construirá sobre as bases da aceitação de que todas as pessoas são diferentes. Aceitar esse princípio é iniciar a construção do discurso da tolerância, o que é a mesma coisa do que educação intercultural. Essa escola  tem que educar para o respeito às peculiaridades e idiossincrasia das culturas minoritárias – só assim se poderão evitar as desigualdades. Essa escola que tem como princípio prioritário a educação  na diversidade é a mesma que lutava pela igualdade de oportunidades dos anos sessenta. Hoje, das circunstâncias histórico-culturais, econômicas e sociais dos anos 90, falamos de educação intercultural, mas estamos reivindicando o mesmo  que nos anos 60: uma sociedade mais solidária, mais justa, mais livre, enfim, mais humana.

Em uma sociedade multicontextual e multicultural como a que descrevemos sucintamente, a dimensão educativa deve responder não apenas a compartilhar novos modelos de sociabilidade, de percepção de si mesma em relação ao outro. Deve também aspirar ao nascimento de novos estilos cognitivos baseados  na relatividade dos pontos de vista e em sua possível descentralização. A educação intercultural, a educação para a mundialidade, não pode prescindir de uma ética da responsabilidade individual e coletiva.

Ser mulher, ser homossexual, ter síndrome de Down, ser negro, ser paralítico ou simplesmente ser apenas mais um no meio de todos é um valor. A natureza é diversificada e não há coisa mais genuína no ser humano que a diversidade. A diversidade faz referência a que cada pessoa é um ser original e irrepetível. Em uma sociedade, há grupos diferentes, há pessoas diferentes, pensamentos e pontos de vista diferentes. A natureza e o ser humano são maravilhosos em suas diferenças.

Nesta visão da diversidade, a educação intercultural deve ser considerada como um instrumento para reduzir as desigualdades que se manifestam na sociedade. A perspectiva intercultural supõe uma reconceitualização do valor da diferença na direção dos princípios de igualdade, justiça e liberdade para estabelecer um compromisso permanente com as culturas minoritárias. O que realmente é importante não está em desenvolver os princípios de justiça e de igualdade: está em desenvolver o princípio de liberdade. Ou seja, não há apenas que reconhecer alguns direitos. As culturas minoritárias têm que ter a liberdade de desenvolvê-los, de colocá-los em prática e de desfrutá-los. Não falamos de caridade. Falamos de direitos.

Isso tudo deve dar suporte a reflexões mais profundas – ao menos eu as faço – ao considerar a cultura da diversidade como processo de mudança de papéis e funções dos componentes que constituem a sociedade em que vivemos. O que eu quero dizer quando falo de educação intercultural é que temos que ir criando uma cultura escolar que permita atender aos alunos respeitando as suas diferenças, de tal maneira que o pensamento pedagógico dos professores mude e se considere as pessoas diferentes cognitiva, social, cultural e etnicamente, como uma oportunidade de melhorar a sua prática profissional e não como ocasiões para estabelecer desigualdades.

A cultura da diversidade não consiste em buscar o melhor modelo educativo individual para as pessoas diferentes, mas sim em que toda a cultura escolar se encha de diversidade. Não é questão de buscar adaptações curriculares, mas de buscar outro modelo, outro sistema educativo, outro currículo que conheça, que compreenda e que respeite a diversidade.

Por que é difícil de aceitar isso? É difícil aceitar esse princípio por que a sua aceitação abre o caminho para manifestar o compromisso com o conhecimento, à compreensão e ao respeito ao outro, para que, através desse outro, eu aprenda em primeiro lugar a ser professor (a), mas, sobretudo, a ser pessoa. É aceitar que eu, como professor(a) sou diferente e que cada um dos meus alunos são diferentes.  Aceitar isso significa que a escola se converte em uma comunidade de aprendizagem permanente, já que o próprio professor se considera, por sua vez, um aluno que está aprendendo a resolver problemas em companhia de outras pessoas. E, com essa mudança de atitude dos professores, se produzirá melhora na aprendizagem dos alunos.

Nesse processo de mudança permanente que a cultura da diversidade requer, os processos de ensino e aprendizagem são simultâneos. Por isso, podemos dizer que há apenas um processo – “aprender a aprender” uns dos outros. E não é necessário falar de ensino como um sucesso, e sim de que é um processo permanente de aprendizagem mútuo e autônomo (autoaprendizagem). A escola da diversidade se centra, principalmente, em aprender estratégias para a resolução de problemas da vida cotidiana de maneira cooperativa e solidária. Este é o sentido que eu dou à escola pública. E quando falo da escola pública, não me refiro à escola estatal, e sim a esse modelo sem exclusões, onde cabem todas as pessoas.

Precisa-se de tempo para compreender tudo isso. Sim, precisa-se de tempo para aprender e tempo para encontrar satisfação  nos novos procedimentos de trabalho cooperativo em aula. A cultura da diversidade é um processo de aprendizagem permanente, onde todos temos  que aprender a compartilhar novos significados e novos comportamentos de relação entre as pessoas. A cultura da diversidade  vai nos permitir construir  uma escola de qualidade, uma didática de qualidade e profissionais de qualidade. Todos vamos “aprender a ensinar a aprender”. A cultura da diversidade é uma maneira nova de educar(nos), na qual alunos e professores constroem um conhecimento escolar que torne compreensíveis as razões  da diversidade entre as diversas culturas e o respeito às mesmas e aprendam a saber analisar as causas das crescentes desigualdades e intolerâncias no mundo, através do desenvolvimento de atitudes solidárias e de defesa dos direitos humanos.

Tudo isso permitirá que as crianças e os jovens em geral vão adquirindo uma cultura diferente ao viver as diferenças entre as pessoas como algo valioso, solidário e democrático. Da diversidade cultural, étnica, de gênero e lingüística surgirão necessidades educativas  diferentes – mas valiosíssimas -  que temos que contextualizar, sequencializar, temporalizar e  buscar estratégias metodológicas para que se desenvolvam. Partindo da consideração do currículo como um processo aberto e flexível e da aposta por uma escola que acomoda as diferenças (e não o contrário), estaremos considerando a escola como agente de transformação social.

Que fique bem claro que, quando falamos da cultura da diversidade, falamos de educar não “para” a democracia nem para a liberdade ou para a justiça, mas educar “na” liberdade e na justiça.Não se trata de ensinar o que é a cultura da diversidade, mas de viver democraticamente a diversidade. É outro modo de educar-nos com as pessoas diferentes. E isso se alcança através do diálogo, da compreensão e da participação ativa em aula.

Segundo a tese de Baudelot e Establet (1987), a escola fracassou em sua missão oficial de democratização e de igualdade. Não somente não contribuiu para diminuir a oposição entre classe dominante e classe dominada, mas está a serviço dessa oposição e tende a reforçá-la. O processo educativo se torna angustiante e aborrecido. Neill costumava dizer em sua obra Summerhill que uma criança que consiga falar sem medo diante de um grupo e expressar-se livremente vale muito mais do que mil palestras sobre democracia. Procurar que, no decorrer de todo o processo educativo, a criança atue como pessoa livre e responsável, é educar na democracia, na justiça e na liberdade.

Este movimento da cultura da diversidade não supõe apenas uma mudança estrutural nas instituições. Requer uma mudança profunda no político-ideológico, nos sistemas de gestão administrativa, nos conceitos psicológicos, nos princípios e nos sistemas educativos, e nas relações de comunicações entre as pessoas. A democracia não pode e não deve ser uma enteléquia para camuflar uma ideologia, mas uma prática diária na família, na escola, no bairro, e em todos os lugares e momentos. Buscamos, em conseqüência, uma escola comprometida na recriação de uma democracia participativa e na vivência de um pluralismo de idéias. Nossa democracia formal ainda não tem escolas democráticas autênticas. A escola pública e seus educadores têm esse compromisso.

Considero, portanto, a educação como essa mudança na vida, e não apenas no âmbito intelectual. A educação é um conceito que faz referência ao conviver, a um modo particular de convivência. A educação faz referência a um modo ideal, como se fosse uma aspiração, um ideal de ser humano. A educação é um fazer na convivência, como espaço emocional e amoroso de mútuo respeito. O contrário é manipulação (Maturana, 1994). Dirige-se à pessoa em sua totalidade (educabilidade), dirige-se à pessoa como um todo significativo e holístico (totalidade, integridade, individualidade, originalidade). No entanto, eu situo o ensino em um plano de comunicação em um plano intencional (práxis). Sem a práxis, nem professor nem aluno se constroem. O ensino é uma ação transformadora consciente que supõe dois  momentos inseparáveis: ação e reflexão, de modo dialético. O ensino é um modo de fazer com que os outros aprendam, também aprendendo quem ensina. É como colocar em prática aquela aspiração de que falamos anteriormente.

Nesse sentido, no processo de ensino e aprendizagem, sempre nos encontramos frente a comportamentos e condutas carregados de significado. O ensino é muito mais do que uma mera coleção de  habilidades técnicas, muito mais do que um conjunto de procedimentos, muitíssimo mais do que um punhado de coisas para aprender. O ensino é um compromisso social, é uma responsabilidade moral, para que as crianças cheguem a ser pessoas democratas e livres. Precisamente ao considerar o ensino como um ofício moral é que ele se carrega de intencionalidade, que ele tem valor.  Eu ensino para algo ou para alguém. Não se ensina por ensinar. Para que se ensina hoje em dia em nossas escolas? Se ensina para algo e por algo ( útil = vale a pena).

A educação moral não pode separar-se da prática escolar, mas ainda precisa impregná-la. A educação moral não pode reduzir-se a ensinar a meninas e meninos um conjunto de conhecimentos, de normas e de procedimentos. Na medida em que os processos de ensino e aprendizagem abarcam tanto professores quanto alunos, e se constrói uma rede de significados e de comportamentos compartilhados (cultura escolar), estamos falando de uma educação para a convivência. A educação deve estar centrada na formação humana, e não apenas técnica,  das crianças – mesmo que essa formação se realize através do técnico. Deve fazer-se de maneira cooperativa e não competitiva, na qual se corrige o fazer e não o ser da criança.

Porém, há mais: o ensino está unido a quem ensina. Eles não podem dissociar-se. O ensino tem biografia. O professor é uma pessoa, quer dizer,  tem ideologia, sentimentos, crenças, sexo. Não há nada de místico no ensino: há simplesmente que saber relacionar o que se vai ensinar com algo da vida cotidiana, levando em conta as condições de quem ensina e de quem aprende, o seu contexto de vida, as suas emoções. Como nos recorda Aristóteles em sua Ética a Nicômano,  “é assunto fácil conhecer  os efeitos do mel, do vinho, das ervas, da cauterização ou do corte. Mas saber como, quando e a quem se devem aplicar essas coisas é nada menos que o assunto do médico...”. Com a educação, nos diz Bruner,  se passa algo parecido. Saber situar o nosso conhecimento  no contexto vivo que oferece o problema que se apresenta é o papel do educador.

Na construção dessa escola pública, é preciso esclarecer muitas incompreensões sobre a cultura da diversidade. Por exemplo: há uma grande cultura legislativa sobre a cultura da diversidade e, no entanto, está se produzindo uma contracultura na prática escolar. Os princípios da LOGSE – Lei de Atenção à Diversidade não estão se desenvolvendo em nossas escolas, e isso precisa ser reconduzido, simplesmente por que se estão violando os direitos  que as pessoas diferentes têm.O problema que temos hoje nas escolas é, por um lado, epistemológico, ideológico e ético e, por outro, eminentemente educativo. E temos que resolver todos juntos esse problema, se estamos convencidos  de que a escola do século XXI deve ser uma escola sem exclusões.

Essa nova cultura escolar vai partir do princípio geral  de que todas as pessoas podem ser educadas. Essa é uma afirmação poderosa, já que dizemos que “todas” e não “algumas” pessoas podem ser educadas. Admitir esse princípio geral é mudar todos os referenciais do currículo, e o currículo precisa saber construir pontes cognitivas entra as diferentes pessoas e as suas possibilidades para adquirir cultura, já que vamos considerar a escola como o lugar onde se descobre o conhecimento e se ensina a pensar.

A escola deve, portanto, oferecer um currículo que rompa com o determinismo psico-biológico das diferenças na aprendizagem como algo eterno e imperecível, e passe a contemplá-lo como algo suscetível de modificação. Como diz Maturana: “do ponto de vista biológico não há erros, não há disfunções, não há menos-valia... em Biologia, não existe menos-valia. É no espaço das relações humanas onde a pessoa definida passa a ser limitada.”

Aceitar que as pessoas diferentes são motor de mudança da  escola  supõe, a meu ver, uma mudança tão grande de pensamento do professorado que deve, necessariamente, ser contemplada em um outro tipo de currículo, centrado na resolução de problemas reais e mais próximos dos alunos (próximo aos alunos e de grande interesse e relevância para eles. O próximo é aquilo que está ao alcance da mão)  do que das disciplinas, e que estas disciplinas se utilizem como apoio para a resolução desses problemas. Um currículo centrado nas necessidades pessoais  e contextuais dos alunos e que lhes permita  construir mecanismos e estratégias  para familiarizar-se com o conhecimento, e que o conhecimento adquirido lhes sirva para resolver os problemas da vida cotidiana.

Assim, o primeiro objetivo do currículo como o que acabamos de expor é o de focalizar-se no saber ensinar aos alunos processos e estratégias de racionalização efetiva que possam ser utilizados na aprendizagem e na resolução de problemas. Ou seja, a cultura escolar tem que tornar possível que crianças sejam pessoas competentes para criar seus próprios processos e estratégias de racionalização (autoaprendizagem). A criança  tem que ser cientista na escola, e o profissional, o mediador do saber, aquele que cria  um cenário para que se produza o conhecimento.

Nesse processo de construção e de reconstrução do conhecimento, os alunos adquirem conhecimentos conceituais que lhes permitem interpretar a realidade; procedimentos e estrutura lógica (senso comum) como meio para resolver problemas da vida cotidiana, e valores para melhorar a qualidade de vida social e a convivência. Trata-se de problematizar a realidade para encontrar as suas possíveis explicações. A educação há de permitir a autonomia cognitiva e moral dos alunos, e não a dependência.  As famílias e os professores precisam compreender que os alunos precisam de algo mais – de muito mais – do que informação (instrução) para adquirir esse patrimônio cultural que lhes permita ver criticamente que as diferenças são  valores, mas que às vezes as condições históricas e ideológicas impostas pela cultura dominante ressaltam as desigualdades  entre uns e outros.  É a qualidade das relações  que tornam possível a cultura da diversidade.  A construção de um discurso comprometido para viver democraticamente na escola exige a superação da visão tecnocrática e reprodutora  na que as vezes se encontra imersa a própria escola, empurrada por essa cultura competitiva e pós-modernista. É dessa superação que se necessita para instalar-se a cultura da cooperação.

Nos meus diversos contatos com os professores, tanto em reuniões quanto nos trabalhos dos Coletivos de Renovação Pedagógica, temos refletido sobre como nos integramos a esse sistema  e vamos exercendo  um trabalho de ser integrador de outros companheiros. Afirmações como “eu sou apolítico” é o que o sistema espera ouvir dos seus componentes, e precisamente esse apoliticismo  é a razão principal de sua eficácia política.  Ensinar por ensinar é absurdo.

A peça-chave, o instrumento central da ação político- pedagógica na escola, é o docente. Não vale dissimular o problema aduzindo neutralidade ou apoliticidade. O docente, queira ou não,  consciente ou inconscientemente, exerce uma importante ação política. os educadores que não fazem política praticam, de fato, a política da submissão ao mais forte. Sua neutralidade é o que os converte em instrumentos  facilmente manejados pelo sistema.

Certamente as instituições escolares não são recintos incontaminados, fechados para que o professor concentre a sua atenção e o seu trabalho exclusivamente porta adentro. Em momentos de crise pedagógica (no sentido em que fala Gramsci), não há outra saída que fazer uma profunda reflexão sobre o sentido, o significado e as funções de ser professor. Concordo com Snyders, quando ele diz  que as responsabilidades do educador jamais poderão ser desconectadas da realidade social  na qual a escola está inserida. Não nos iludamos  acreditando que podemos impulsionar uma boa escola em uma má sociedade, nem percamos de vista que cada sociedade tem a escola que melhor responde aos seus postulados políticos. “O movimento para transformar a escola não é mais do que o movimento que vai transformar a sociedade. cada avanço parcial vale por si mesmo e como prova de que é possível a transformação total” (Snyders, 1976, p. 242). Ou, como diz Lobrot: “o que a sociedade de amanhã será ou não será através da  escola  o saberemos à medida em que saibamos qual é o tipo de sociedade que estamos dispostos a  impulsionar e à medida em que, politicamente, aceitemos a responsabilidade que nos cabe nesta tarefa. Tarefa que, para nós, professores, é antes de mais nada a de esclarecer o processo político como  matéria educativa, mesmo quando isso nos obrigue a ‘voltar o  processo de educação contra os fins designados pelo sistema’ “. (Lobrot, 1978, p.186)





quinta-feira, 7 de maio de 2015

Comunicação Inclusiva: uma abordagem humanizada.

Maria Isabel da Silva Jornalista e Gestora da Assessoria de Comunicação Institucional da Secretaria Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência produziu um documento que visa uma abordagem humanizada quando for se referir à pessoas com diferentes tipos de deficiência, vale para afastar o preconceito da linguagem cotidiana.

http://www.pessoacomdeficiencia.sp.gov.br/Content/uploads/2014618181629_TerminologiaHumanizada_EncontroGestores2013.pdf