Blog Pedagogia do Conhecer
Alfabetização
GIL
PENA
Olá Roberta,
Muito legal o seu interesse em
tentar “se encontrar” e ensinar ao seu aluno a ler e escrever. Vamos começar
pelo começo: veja o seu aluno como seu aluno, não o veja como “SD”. Os
comportamentos que ele apresenta têm de ser encarados como os
comportamentos de um aluno, não como de um aluno com “SD”. Em toda e qualquer
situação, aja com ele como agiria com qualquer aluno, em relação aos
aspectos afetivos, de autonomia, das normas etc.
A segunda coisa é a confiança.
Para ensinar, é necessário que você acredite na pessoa que vai aprender,
que ela vai realmente aprender. Essa confiança gera o compromisso de que você
vai investir tudo para que ela realmente aprenda. Se ela não entende uma
coisa, explique de novo, de outra maneira, peça a um outro aluno que
lhe explique, tente de outro jeito, se naquele dia não foi possível, pense
de noite em alguma nova estratégia, em algo nunca pensado, e que pode
funcionar naquela situação. Invista na sua própria compreensão do
problema, leia mais, pesquise, tudo para poder elaborar uma nova maneira de
ensinar, não apenas para aquele seu aluno, mas para todos os seus alunos.
Um outro passo: aprofundar nos
aspectos de aprendizagem da leitura e da escrita. Um “alfabetizador” tem
de ter como companheiros, autores como Paulo Freire e Emilia Ferreiro
(Também Myrian Nemirovsky, Liliana Tochinsky, Ana Teberosky). Aprender a ler e
a escrever não é ser introduzido a um código. A escrita é muito além de um
código, ela tem usos, finalidades, significados, que não podem ser reduzidos ao
código. Hoje se chama tudo isso de letramento, mas a questão não é o nome que
se dá. Desde que a criança nasce, ela está imersa num mundo onde a palavra
escrita desempenha múltiplas funções e ela tem que gradativamente apropriar-se
dessas funções, para fazer uso dessa valiosa ferramenta cultural. Em casa,
também é fundamental que o uso da palavra escrita seja incentivado pelo exemplo
dos pais, que fazem uma lista para ir às compras, lêem um livro técnico ou
um romance, usam o computador, para comunicar-se ou para pesquisar determinado
assunto, vêm indicações escritas no trânsito, nos ônibus, nas lojas, etc…
assunto, vêm indicações escritas no trânsito, nos ônibus, nas lojas, etc…
Ainda, é preciso entender como
ocorre esse processo de alfabetização. Há determinados estágios dessa
construção que podem ser utilizados na elaboração de um diagnóstico. A partir
desse diagnóstico, estratégias de intervenção são especificamente
desenvolvidas para auxiliar o aluno a superar aquele estágio. Essa compreensão
do processo de aprendizagem é importante, para perceber pequenos avanços que a
criança faz, às vezes com grandes esforços. Há professores que consideram que a
aprendizagem da leitura e da escrita é quase mágica: um dia o aluno está maduro
e o conhecimento ”brota”. Mas não é assim: a leitura e a escrita são um
conhecimento lentamente construído, pelo conhecimento das letras, a
compreensão de que as letras correspondem a sons, mas que sozinhas as letras
não produzem todos os sons, que existem regras que orientam a ortografia,
que o estilo para escrever um memorando é diferente do estilo um bilhete, que
escolhemos palavras diferentes para situações diferentes… e por aí vai.
Para finalizar essa mensagem (que
jamais esgotaria o tema), diria que esse aprendizado tem de ser particularmente
prazeiroso. Há um grande investimento da criança nesse processo. Se ela
não encontra um caminho (“até o seu professor ‘está perdido’), ela vê como
inútil um grande esforço e cria grande resistência ao que está escrito, como
algo que pertencesse a um universo do qual ela não faz parte. Cria-se um
bloqueio que posteriormente é muito difícil de remover.
Bem, Roberta, só espero que a
minha mensagem tenha lhe indicado um caminho (ou muitos
caminhos). Fico a disposição para poder ajudar mais, se achar que os
caminhos que indico podem ajudá-la
Alfabetização II
Olá a todos,
A alfabetização não é um bicho de
sete cabeças, talvez de três, um cão cérbero, não sei mesmo se é essa a
entidade, aquele bicho do Hagrid que tomava conta da pedra filosofal, na
história do Harry Potter.
A alfabetização, dizendo assim, é
um marco, algo fundamental em nosso adentramento dentro da cultura. A
progressão na vida acadêmica depende da aquisição dessa ferramenta.
Em geral, não duvidamos que uma
pessoa comum, se ensinada, conseguirá aprender a ler. Em geral, o não
letramento atribuímos à falta de oportunidade de aprender. Não sei se
todos temos uma idéia apropriada do que é a alfabetização, não é apenas o
domínio do
código, decifrar palavras e sílabas, é desvendar o sentido, atribuir sentido. Escrever e ler, como ferramentas culturais humanas, são carregados de sentido, são usados para cumprir necessidades específicas do viver humano.
código, decifrar palavras e sílabas, é desvendar o sentido, atribuir sentido. Escrever e ler, como ferramentas culturais humanas, são carregados de sentido, são usados para cumprir necessidades específicas do viver humano.
Antes de chegarmos a escola, já
conhecemos a palavra escrita, sabemos de seu uso, há um empenho em
compreendermos o que está escrito e nos esforçamos nesse sentido. A
alfabetização, por assim dizer, tem uma pré-história, que é menosprezada.
O Fabio disse da confiança,
mas tem algo mais na nossa relação com as pessoas com síndrome de Down que
as distanciam da leitura. Muitos falamos que cada um tem seu conjunto de
livros, sua pequena biblioteca, mas quantos nos dedicamos a deliciar as
leituras com eles? Quantos, os convidamos a participar da elaboração de uma
lista de compras, de ir ao supermercado com eles, procurando pelos produtos listados?
E nos seus desenhos, o quanto nos preocupamos em oferecer detalhes,
que possam ser acrescentados, como os olhos, sobrancelhas, cílios, etc, de
modo que possam ir se aprimorando no cultivo desses detalhes. O desenho, como o
escrito, é forma de representação. A primeira forma de codificar, decodificar o
escrito é pelo reconhecimento do desenho da palavra, não a seqüência das
letras.
Há peculiaridades no aprendizado
das pessoas com síndrome de down. Mas isso é muito confundido por aí. Não há
necessidade de criar um método. Nesse processo todo, o que é necessário é
só ensinar. Uma pessoa com síndrome de Down tem mais
dificuldade no aprendizado espontâneo, de captar um sentido naquilo que fazemos, de compreender a sequência pela qual operamos, simplesmente vendo-nos fazer. É preciso mostrar-lhes o que fazemos, porque fazemos.
dificuldade no aprendizado espontâneo, de captar um sentido naquilo que fazemos, de compreender a sequência pela qual operamos, simplesmente vendo-nos fazer. É preciso mostrar-lhes o que fazemos, porque fazemos.
Todo o tempo, estamos lendo o
mundo. Paramos no cruzamento ao ver a placa de pare, mas também no sinal
vermelho. Para nosso filhos com síndrome de down, temos de mostrar que o
que nos conduz são essas mensagens disponíveis: a placa
com o nome da rua onde moramos, o número da nossa casa, seu nome na sua merendeira, etc.
com o nome da rua onde moramos, o número da nossa casa, seu nome na sua merendeira, etc.
Alfabetizar é um passo no
aprendizado dessa leitura maior de mundo. Um passo que fica grande demais
para aqueles a quem omitimos o mundo, não o revelando ou o entregando já
lido.
O método, a cartilha surge no
mundo em que impera o aprendizado espontâneo dos comuns. A leitura de mundo se
oferece a seus olhos como um aprendizado intrínseco. Chegam a escola já
sabedores de muita coisa. A escola atua no sentido de sistematizar esse
aprendido, mais do que ensinar.
No aprender a ler, vale muito
conhecer do uso da leitura, da escrita, esforçar na aquisição da ferramenta.
Não é uma tarefa fácil para criança nenhuma. É uma construção, com muitas
tentativas, erros, hipóteses, testes. É esse experimentar que os leva a frente.
Um bom professor conhece esse processo, esse experimentar, ajuda o aluno no
formular de hipóteses, compreende o caminho de seu construir e o estimula nessa
construção. Não o repreende ou desanima no equívoco: esse é parte do caminho. È
um processo sofrido. É possível que não queiram ir a escola, mesmo por medo de
não conseguir.
Nesse processo, não há diferença
entre a pessoa com síndrome de Down ou o comum. Ambos aprendem formulando
hipóteses, testando essas hipóteses, errando e acertando. Tornam-se leitores na
medida em que descobrem o mundo que está aí para ser lido.
Há ainda, acredito, uma certa
incompreensão da relação entre “oralidade” e “escrita” e parece que alguns
ficam esperando uma certa “consciência” fonológica para dar andamento no ensino
da leitura. Há mesmo, me parece, uma dependência, mas não há necessariamente
uma precedência de uma sobre a outra. O escrever/ler ajuda na construção da
oralidade, fazendo caminho inverso do que usualmente é esperado.
Se devem aprender a ler, e podem,
é melhor que seja no tempo de aprender. Tempo de aprender é tempo de ensinar.
Ensinar é mostrar o mundo, desde cedo, tão cedo quanto estejamos vivendo no
mundo. Porque os vamos deixando crescer sem ensinar-lhes (mostrar) o mundo?
Não posso, por último deixar de
sugerir que leiam alguma coisa da Emilia Ferrero que é quem bolou e percebeu
essa coisa muito legal da construção da escrita.
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