domingo, 28 de junho de 2015

ORGANIZAÇÃO ESCOLAR, CAPACITAÇÃO PROFISSIONAL E EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Compartilho o excelente texto de Rosana Bignami sobre a inclusão no ambiente escolar (ou a falta desta)

ORGANIZAÇÃO ESCOLAR, CAPACITAÇÃO PROFISSIONAL E EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Texto disponível no grupo: Conversa na Escola

Profª Drª Rosana Bignami

rosanabignami@gmail.com

 

Um dos problemas apontados por grande maioria de pais, entre os quais me incluo, com relação à inclusão na escola, está na organização escolar e sua pouca adaptabilidade às necessidades da inclusão.

Em uma reunião feita com a escola (municipal, mas isso tem acontecido na grande maioria das escolas) a coordenação destacou a dificuldade que tem em mudar a organização da escola para atender as necessidades especiais de uma aluna com síndrome de Down, minha filha de 9 anos. No caso, a organização conta com: 1 sala de aula, salas de especialidades (informática, inglês e artes), 1 sala de leitura (horários fixos), 1 professora titular da sala (com horários alternados com as demais disciplinas), 1 estagiária em formação (com contrato por prazo determinado), 1 auxiliar da vida escolar, além dos demais profissionais. A organização requer que cada aluno saia de sua sala e se mova para a outra sala, de acordo com a matéria. A organização também está centralizada nos horários dos profissionais, sendo que, por exemplo, o horário da estagiária é das 7 às 11 e o horário da escola é das 7 às 12, o horário da professora titular não contempla todo o período, mas somente os períodos em que não há aula de especialidade (inglês ou artes, por exemplo).

Informei que, para que ocorra a identificação e confiança/vínculo de uma criança com deficiência intelectual com o profissional da educação, seja ele quem for, bem como para que o resultado da aprendizagem seja efetivado, é necessário criar certas rotinas e manter a prestação do serviço, sobretudo quanto à professora titular e à professora auxiliar (no caso é a estagiária quem exerce essa função).

A coordenação explicou que é difícil (querendo dizer que é inviável) manter a regularidade e informou que os profissionais de educação também têm suas vidas pessoais (podem estar ausentes, por exemplo, em função de licença médica, de faltas, por encerramento do contrato de trabalho, etc.) e argumentou que as crianças têm que se adaptar e que isto é um benefício para elas, ou seja, assim a criança não cria vínculo somente com uma pessoa e qualquer pessoa na escola pode 'cuidar' da criança deficiente.

Essa condição imposta pela escola leva a considerar duas grandes lacunas no modelo educacional atual, de forma geral: (i) a escola acredita que criança com deficiência intelectual não tem obrigação de acompanhar o grupo, pois não irá ter aproveitamento mesmo, então, na falta do professor, pode ficar com qualquer um na escola (aconteceu, por exemplo, de eu chegar para ir buscar minha filha e ela estava na sala de leitura vendo figurinhas ou no corredor olhando para o céu); (ii) a escola acredita que não é responsável pela prestação do serviço de forma excelente (o professor pode faltar, pode ficar de licença, pode ter reunião e não ter aula, a estagiária ainda está aprendendo e, então, pode errar com a criança, a funcionária não tem experiência, mas, como é uma criança deficiente, tudo bem, serve assim mesmo, a criança pode se negar a participar e ficar sem aula mesmo, etc.). Além disso, diante de alguma dificuldade, a escola normalmente atribui a raiz do problema a agentes externos: o problema está na secretaria da educação que enviou um funcionário sem formação adequada, o problema está nas leis que não prevêem um professor auxiliar, o problema está no sistema educacional em si (?) que coloca no mercado profissionais da educação sem nenhum conhecimento de inclusão ou de deficiências, o problema está nas famílias (há algum problema familiar, a família não educa, a família não participa, etc.), etc.

No entanto, se observarmos as dificuldades em si, veremos que a questão está centralizada em dois grandes eixos: o da organização escolar e o da capacitação dos profissionais da educação. As concepções apontadas estão vinculadas a processos de gestão e de organização, bem como a carências de profissionais adequados no sistema de ensino, que nada têm a ver com o processo de ensino-aprendizagem em si, mas que o afetam na medida em que definem os seus limites. Assim, uma vez que o horário da professora não é integral, mas limita-se aos seus momentos em sala de aula específica (e às demais incumbências da profissão e da organização escolar), quando ela não está, há uma lacuna, ou seja, em termos de serviço, há um "desserviço". 

Da mesma forma, se o "sistema" não prevê uma professora auxiliar, o aluno com deficiência é quem tem que correr atrás do conteúdo, uma vez que a professora titular não tem tempo ou não tem a incumbência de adaptar o material, muitos menos de se sentar ao seu lado e aguardar o seu ritmo, uma vez que há toda uma classe à sua espera. 

O aluno com deficiência intelectual, especificamente, pode apresentar maiores ou menores dificuldades para 'correr atrás do grupo e do conteúdo', não havendo, de forma alguma, um padrão de resposta. Assim, pode ser que um aluno consiga, por si só, acompanhar o grupo, observar e copiar comportamentos, ouvir com atenção, aprender determinadas atividades sozinho; por outro lado, pode ser que um aluno necessite de supervisão orientada durante a maior parte do tempo em que ele está na escola (alguém que o estimule a olhar para a professora e a prestar atenção, alguém que o estimule a pegar o seu material e a realizar alguma atividade com ou sem auxílio, alguém que o ajude a se levantar e a acompanhar o grupo, alguém que o lembre de que a aula de artes acabou e que deve levantar e ir para outra aula e o espere até que seu ritmo individual o faça se mover e isso não atrapalhe o ritmo dos demais alunos).

Por isso, para que a inclusão ocorra, de fato, os horários dos profissionais, as suas funções, os tipos de contrato que mantêm com a escola, os sistemas de controle de horários, as qualificações e competências, enfim, questões que dizem respeito ao organograma das escolas e à capacitação dos profissionais, é que devem ser definidos para atender às necessidades de TODOS os alunos. A divisão de tarefas, a estratificação em funções, a organização em setores, tudo deve ser feito para que o processo de ensino-aprendizagem na educação inclusiva ocorra de forma excelente. Obviamente que, nessa organização, alguns elementos têm maior participação e importância no processo, ou seja, o setor pedagógico, formado por corpo docente, coordenadores, orientadores e demais profissionais que exercem funções pedagógicas. Os profissionais que têm contato direto com os alunos têm a responsabilidade de manter a prestação do serviço educacional e de prestar a assistência pedagógica e didática a TODOS os alunos. Limites organizacionais ou limites de capacitação não podem, nem devem ser impeditivos do processo de ensino-aprendizagem de alunos com deficiência intelectual ou qualquer outra deficiência. 

O que se observa, no entanto, é que os modelos educacionais conseguiram caminhar, de certa forma, para assegurar o processo de inclusão de alunos com deficiência, adequando ou procurando recursos materiais ou tecnológicos, uma vez que parece ser mais simples adequar mobiliário e livros do que capacitar pessoas. É óbvio que, com isso, não se quer mostrar que a inclusão de alunos com deficiências não requer que se coloquem à disposição novos materiais, novos ambientes e novas tecnologias, mas sim apontar para o fato de que a inclusão de alunos com deficiência intelectual requer muito mais do que mudanças em recursos físicos (material adaptado impresso em primeiro lugar): é necessário investir em capital humano e em capital social. É necessário entender, definitivamente, que o maior e mais importante elemento do processo de inclusão e de todo e qualquer processo de ensino-aprendizagem, é o elemento humano. É preciso dotar os profissionais da educação dos recursos internos (conhecimentos, valores, crenças, atitudes) para que possam efetivamente promover o processo de inclusão. De nada serve um livro com conteúdo adaptado se o professional não sabe como usá-lo. 

Para a educação inclusiva, portanto, é necessário que ocorra uma preparação adequada. É necessário ter, por exemplo, uma atitude positiva diante da deficiência. Pessoas que não a compreendem ou que têm um olhar pouco atento à diversidade não são profissionais que podem trabalhar com a inclusão. Profissionais com pouca disponibilidade para aprender e para aceitar o Outro, bem como para aceitar desafios também não devem trabalhar com a educação inclusiva. É preciso também dotar todos os profissionais envolvidos (desde o corpo docente aos demais profissionais) de conhecimento especializado ou é necessário dotar as escolas de mais profissionais: psicopedagogos durante todo o período, psicólogos e terapeutas durante todo o período, fonoaudiólogos durante todo o período, etc. Destaca-se que essa oferta deve ocorrer durante TODO O PERÍODO, pois é impensável ofertar educação inclusiva somente em determinados horários (isso já é em si uma exclusão). Essa oferta educacional deve ocorrer de forma excelente, sistemática, sustentável e para todos, durante todo o período de estudos.

Ou seja, para que ocorra a educação inclusiva, o maior desafio consiste em dotar as escolas de novos paradigmas: a organização deve se adequar aos alunos e não o contrário; os profissionais da educação devem internalizar os conhecimentos e recursos atitudinais necessários para que possam lidar de forma positiva com a diversidade, com a inclusão e para que possam, efetivamente, contribuir para o processo de ensino-aprendizagem que não se limita, de forma alguma, à transmissão de conteúdos adaptados. 

Enfim, é necessário que, urgentemente, se crie nas escolas o espaço para que sejam contratados profissionais deficientes que possam ser eles mesmos modelos para o ambiente educacional. "Os alunos com necessidades especiais precisam de oportunidades de interagir com adultos com deficiência que obtiveram sucesso, de modo a que possam modelar o seu próprio estilo de vida e as suas aspirações por expectativas realistas". (documento da UNESCO)

 



Referências: 

 

DECLARAÇÃO DE SALAMANCA e ENQUADRAMENTO DA AÇÃO na área das necessidades educativas especiais. UNESCO. Disponível em: 

http://www.madeira-edu.pt/LinkClick.aspx?fileticket=7fr0EPRPiY4%3D&tabid=304&mid=1656

 

O SISTEMA DE ORGANIZAÇÃO E GESTÃO DA ESCOLA. José Carlos Libâneo - UNESP. disponível em: 

http://www.acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/32/3/LDB_Gest%C3%A3o.pdf

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