quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Escola da Ponte - Inovação no ensino das diferenças



José Pacheco

Educador atribui insucesso dos "diferentes" a falta de especialização dos professores

Reportagem: Instituto Pestalozzi de Canoas

Inserida em: 28/7/2006







O Instituto Pestalozzi de Canoas trouxe a Porto Alegre (RS), no mês de julho, o criador e Diretor da Escola da Ponte, José Pacheco. Especialista em Música e em Leitura e Escrita, o professor,  nos últimos cinco anos têm percorrido vários Estados do Brasil com a missão de compartilhar a experiência portuguesa que se notabilizou pelo projeto educativo inovador.

Desde 1976, a Escola da Ponte que funciona a 30 quilômetros da cidade do Porto, se tornou um espaço onde a ajuda mútua e a cooperação levam crianças, jovens e adultos a partilharem o mesmo mundo. Não há exclusão de pessoas com deficiência. Em cada grupo de alunos, formado afetivamente, existe um aluno com necessidades educativas especiais e se os professores, por qualquer motivo, em determinado momento, não podem acompanhar diretamente o trabalho de uma dessas crianças, logo um colega atento se disponibiliza a ajudar.

A escola faz parte da rede pública e os professores são contratados pelo Ministério da Educação. A mudança, segundo Pacheco, surgiu depois que resolveram juntar todos os alunos, ao invés de separá-los por turmas, com o objetivo de promover a autonomia e a solidariedade. "Antes a escola era igual a qualquer outra de 1ª a 4ª série. Cada professor ficava em sua sala, isolado com sua turma e seus métodos. Não havia comunicação ou projeto comum. O trabalho escolar era baseado na repetição de lições. Na passividade".

Durante dez anos a nova proposta pedagógica foi aplicada apenas com o consentimento dos pais, que viam seus filhos obtendo um resultado superior ao alcançado em outras instituições. Hoje, de acordo com Pacheco, os alunos formados na Escola já obtêm nota superior a média nacional portuguesa. Ao todo, a instituição atende 230 alunos, de 5 a 19 anos, desde o 1º até o 9º ano - final do ensino básico. Destes, 40% tem problemas de aprendizagem atribuídos à dislexia, síndrome de down, autismo e atrasos no desenvolvimento. Dez por cento provém de asilos de órfãos (são filhos de vítimas da Aids); Cinco por cento foi expulso de outras escolas por violência e 10% são filhos de profissionais autônomos. "Juntamos o gel com o piolho. Os normais e os "especiais", como somos todos nós".

A Escola considera que todos os alunos são especiais. Isto, explica o professor, não é apenas uma forma de contornar a questão. "Tentamos ao máximo que cada aluno receba da escola o tipo de apoio de que necessita. Todos os alunos realizam o mesmo tipo de trabalho e encontram-se enquadrados em grupos. Os professores dão o apoio que é considerado mais adequado, sem fazer discriminação. Todos os professores são professores de todos os alunos".

Para Pacheco, não há crianças deficientes, há pedagogia ineficiente. Assim como a escola tradicional é responsável pelo insucesso dos professores e, conseqüentemente, dos alunos. "Cada um fica na sua sala com suas angústias. Não compartilham experiências". Outro fator apontado pelo pedagogo para o fracasso dos alunos é a falta de especialização.

Mestre em Ciências da Educação pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, Pacheco diz que conhecer o desenvolvimento infantil e cognitivo é fundamental para a prática. "É preciso investir em especialistas para o ensino fundamental. Não insistirmos na idéia de que um mesmo professor pode conhecer todos os conteúdos de 1ª a 4ª série. A alfabetização é um processo muito complexo. Eu tive que estudar psicologia da linguagem, desenvolvimento infantil e cognitivo, semiótica e dez metodologias de alfabetização para poder acompanhar as diferentes formas de aprendizagem dos nossos alunos".

O professor acompanha atualmente 34 escolas brasileiras que estão mudando aos poucos a sua metodologia. "Me preocupo muito quando os profissionais dizem que querem mudar e não tem conhecimento teórico para isso. Gosto muito mais de um professor que é tradicional e alfabetiza pelo método silábico do que aquele que usa métodos diferentes e não ensina nada".

Na Escola da Ponte, os alunos definem quais são suas áreas de interesse e desenvolvem projetos de pesquisa, tanto em grupo como individuais. A proposta gera estranhamento para os professores e alunos novos. Muitos profissionais não se adaptam e muitas famílias estranham. "Me lembro que quando dissemos que iríamos alfabetizar pelo método global, alguns pais nos chamaram de loucos. Mas insistimos e temos tido resultados muito satisfatórios".

O educador acredita que a letra é algo que não tem significado para a criança. A frase e a palavra, sim. "Na nossa escola, os alunos costumam contar, por exemplo, o que aconteceu no seu fim-de-semana. Posteriormente, o professor escreve a frase no quadro ou no seu caderno e os alunos copiam a frase e inventam outras frases com uma ou mais palavras da frase inicial. Com o tempo, os alunos vão aprendendo a ler. Quando os alunos começam a ler, inicia-se o trabalho de forma a que eles tomem consciência da existência da sílaba, de forma a que as apliquem em novas palavras. Quando já lêem e escrevem com alguma correção, começamos a trabalhar os chamados "casos especiais" da nossa língua: diferentes formas de escrever o som "z", etc...".

Na avaliação, os alunos auto-avaliam-se. Sempre que consideram que dominam um determinado ponto do programa escrevem-no numa folha do "Eu já sei". Depois, um professor da área dirige-se ao aluno e faz uma avaliação "mais formal". Esta avaliação pode ser efetuada de várias formas: uma conversa, um exercício escrito, a resolução de um problema, etc. Tudo depende do objetivo em questão.Por outro lado, tenta-se sempre que os objetivos anteriores também sejam avaliados de forma a que a avaliação seja um processo contínuo.

Quando um determinado aluno pensa que esgotou todas os instrumentos que tem ao seu dispor para estudar um determinado assunto (biblioteca, computador, colegas), e mesmo assim não conseguiu compreender um determinado ponto, recorre ao professor. O aluno escreve então o seu nome, a data e tema em estudo na folha do "Eu preciso de ajuda". Depois, o professor dirige-se ao aluno (ou alunos) com a dificuldade e tenta esclarecê-lo no que os alunos costumam chamar de "aula direta".

Pacheco contou várias histórias de sucesso. Entre elas, a de Cezar. Um menino que chegou na Escola com 13 anos, com potencial violento e sem conseguir se alfabetizar. "Ele não sabia ler e se insistíamos ia para o chão com ataque de epilepsia. Num dia vi que se interessava por automóveis e comecei a trabalhar com ele nomes de carros. Mais tarde fizemos um projeto de pré-profissionalização numa oficina. O Cezar se dividia entre as aulas e a oficina. Hoje ele vai três dias por semana para a oficina, nunca mais teve ataque epilético na Escola, sabe ler, escrever, é útil socialmente, decora livros técnicos, conhece tudo de automóvel e antes mesmo que eu tenha tempo de ler a revista da qual sou assinante, eu empresto para ele".

O professor conta que passados dois meses do ingresso do Cezar na Ponte, o pai veio agradecer por terem devolvido o seu filho. Pacheco concluiu com um poema de Clarice Linspector. "Mude, mas mude devagar. O importante não é a velocidade. É saber a direção".

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